quinta-feira, 20 de maio de 2010

Entrevista à professora Anabela do ensino especial

1) Quantos alunos com síndromes/deficiências tem a seu encargo nesta escola? Que tipo de deficiência têm?
R: Nesta escola tenho vários alunos com deficiência mental ligeira/moderada. No agrupamento de Vinhais há cerca de 30 alunos com esse tipo de deficiência.
Aqui há também alunos com Trissomia 21, X- frágil… Penso que o aluno com Síndrome de Down poderá ter também autismo.
Alguns têm mais que uma síndrome ou deficiência.

2) No caso de cada um deles, que aulas podem assistir de acordo com as limitações que têm?
R: Para alunos com problemas de deficiência mental e com síndromes, os maiores problemas são o raciocínio abstracto, têm dificuldade em organizar-se e dificuldade na aquisição de conhecimentos.
Os testes realizados são adequados e modificados de acordo com as dificuldades de cada um deles.
Os alunos que tem adequações no currículo frequentam todas as aulas com o objectivo de chegar pelo menos ao 9º ano e tirarem um curso profissional. Os conhecimentos transmitidos são mais direccionados para o lado prático, para a vida futura.
De seguida tentamos integrá-los num curso profissional de acordo com os seus gostos, isto os alunos com menor grau de deficiência mental.
No currículo específico, os alunos com maior grau de deficiência mental frequentam as aulas não específicas como Área de projecto, Educação física, Educação musical, etc.
Quando estão com as professoras de ensino especial como eu, tentamos ensinar o máximo que conseguimos e com métodos diferentes.

3) Como são estimulados para que possam evoluir?
R: Como eles gostam de informática, tentamos arranjar software adequado.
O ensino dos alunos desta sala é essencialmente ensino de 1ºciclo. Eu tento arranjar estratégias diversas para os tentar ensinar, estratégias também que vão de encontro com o interesse de cada um deles.
O trabalho é individualizado e ao ritmo de cada um. É difícil porque cada um tem uma aprendizagem diferente, uns avançam mais que os outros, eles têm várias dificuldades em apreender conhecimentos.

4) Quais são as actividades que desenvolvem com eles quando estão ao seu encargo?
R: Quando estão ao meu encargo tento ensinar coisas básicas como ler, calcular, assim como a nível de comportamentos, organização, etc.
Quando eles decidem não querer aprender mais, não vale a pena insistir porque eles não vão fazer mais. Por isso jogam jogos na Internet, fazem desenhos entre outras actividades…
Tentamos arranjar uma componente prática para saber em que áreas eles se poderiam integrar.
Uma aluna já esta num salão de cabeleireiro. Tentou arranjar-se mais mas as empresas não aderem ou se aderem é porque provavelmente recebem um subsídio.
Os pais também não concordam, talvez por ser liberdade a mais e terem medo que aconteça alguma coisa.

5) Desde que chegaram qual a evolução que tiveram até agora?
R: Todos demonstram alguma evolução, excepto os casos mais complicados. Eu só vim para esta escola este ano por isso não posso dizer muito, mas eles mostram evolução na leitura, a nível de apreensão de conhecimentos, também a nível de comportamento, responsabilidade, autonomia.
No caso do aluno com X- frágil, ele já tem o 9ºano mas os pais fizeram um protocolo para ele continuar cá na escola e ajudar nas tarefas com alguns dos funcionários.
Alguns conhecimentos básicos que lhes transmitimos, às vezes mesmo que pareçam apreendidos, acabam por esquecer. É muito complicado porque num simples fim-de-semana, férias, eles podem regredir e as professoras têm de recomeçar o trabalho de início. Há alguns casos em que se puxarem um pouco por eles, eles até se conseguem lembrar, outros não e os meios que dispomos não são os melhores.

6) Acha que eles deveriam estudar numa escola particular, em que tivessem apoio a toda a hora ou estar numa escola normal, como esta, em contacto com outros alunos diferentes. É melhor para o desenvolvimento deles?
R: Na minha opinião estes alunos podem e devem frequentar esta escola em que contactam com outros alunos diferentes, também por causa da teoria da inclusão.
Até porque eles não são diferentes, são iguais aos outros. Claro que alunos com deficiências mais graves que as existentes na escola não. Já trabalhei com crianças assim e não seria possível.
A sociedade não está preparada para pessoas com este tipo de problemas, assim como os pais, quando não os deixam integrar em empresas, não compreendem que assim é melhor para eles e para o seu desenvolvimento. Também não há muitos meios na escola, a sala é pequena, há alguma falta de espaço, de pessoas especializadas.
No exemplo do terapeuta de fala, só há mais perto pelo que se sabe em Macedo de Cavaleiros e para usufruírem desse tipo de tratamento, os doentes têm de ir lá uma ou duas vezes por semana. Se os pais tiverem falta de tempo ou também dinheiro, falta de meios, mais complicado se torna. Até poderão ir uma ou duas vezes mas depois começa por se tornar complicado e não voltam a ir.

7) Acha que no nosso país há meios suficientes para cuidar de pessoas com este tipo de problemas?
R: Tanto no país como nesta escola acho que não há, não há meios.
Há muita burocracia, os professores perdem mais tempo com papéis do que com projectos que poderiam ajudar os alunos.
Leis são mandadas cá para fora, mas elas nem sempre podem ser aplicadas. Assim como o trabalho feito por mim, tudo pode estar muito bem organizado mas nem sempre é possível realizá-lo porque os alunos não o permitem. Como exemplo os testes, são reformulados e para os fazer é necessário uma ou mais semanas.
É dito que há equipas para a ajuda a estes alunos, mas nem sempre isso acontece. São na verdade necessárias equipas com médicos, terapeutas, etc, mas como há poucos profissionais desse tipo é difícil arranjá-las.
Se existem é em Lisboa, Porto, Coimbra, Algarve, etc. As pessoas não querem vir para meios pequenos como este.
Assim como as associações de apoio e a informação disponível em Portugal é completamente diferente de países como o Brasil e também Espanha, etc. A informação aqui é muito reduzida. No Brasil por exemplo há vários projectos, sites que se encontram muito úteis e com muita informação. Portugal deveria trabalhar um pouco mais nesse sentido, em encontrar soluções para este tipo de pessoas.

8) Como se sente ao trabalhar com crianças com este tipo de problemas?
R: É complicado mas gosto muito do que faço. Eu era educadora de infância e mais tarde especializei-me e trabalhei na APADI, uma associação em Bragança.
Quem trabalha com crianças assim só pode ser alguém que goste. Há dias em que é frustrante porque se está a ensinar a mesma coisa e eles não aprendem ou então regridem.
Mas também é bom quando há progressos mesmo que sejam mínimos, é mais uma conquista.

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